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A difícil arte de prever



Agosto de 1914. Churchill. Um Telegrama. "Proceed"

“A previsão original era de tempo instável, mas, no decorrer do caminho, eles se depararam com um cenário desolador: poucos palmos de visão à frente... clima de tempestade perfeita... sensação térmica similar ao fim do mundo... ventos e rajadas como no interior de um ciclone tropical... a única certeza no ar era de que nada seria como antes.”


Os trechos acima foram adaptados do livro ”A incrível viagem de Shackleton”, história real de expedição à Antártida que se tornou uma das maiores aventuras humanas dos últimos 100 anos.

O planejamento necessário para cruzar o continente gelado com sucesso demandou a previsão de inúmeros fatores, no entanto não contou com duas variáveis.

1. Coincidência das negras nuvens da Primeira Guerra Mundial eclodirem na Inglaterra justamente na semana da partida. Apesar da predisposição de Shackleton em ajudar, Winston Churchill liberou o Endurance e tripulação a seguir a programação inicial.

2. O cenário, pouco provável, de um inverno muito rigoroso. Um dia antes do desembarque na Antártida, um banco de gelo destruiu o navio... o resto da aventura fica para outro artigo.

Não fosse Shackleton o líder, certamente

estamparia tragédia em tabloide inglês.

De volta para o futuro

Mas, o que o exemplo acima tem a ver com o momento atual? Guardadas as devidas proporções, os dias de hoje esbanjam incertezas.


Assim como a expedição de 1914 sabidamente teria seus obstáculos, aqui, já se esperava que o governo eleito, por apertada margem, não teria uma marolinha pela frente.

Os desafios eram enormes e as previsões

estavam à mesa.

Apesar dos já identificados riscos fiscais e inflação iminentes, no início de 2015 o FMI projetou crescimento de 0,3% no ano para a economia do Brasil, um pouco abaixo do números do Boletim Focus (pesquisa do Banco Central com principais analistas), de 0,5%. Estimativa de inflação? 6,56%. Dólar? R$2,80.

Nem é preciso lembrar que, praticamente, economista algum chegou perto de acertar. Ao final do ano de 2015 o PIB apresentou queda de 3,8%, inflação (IPCA) de 10,67% e o dólar fechou a módicos R$ 3,94.

Impeachment again

E para 2016? Crise de confiança nas instituições políticas vigentes, economia na maior crise em quase 100 anos (coincidência com Shacketon?), inovações disruptivas impactando empresas e empregos, quase 50% da população economicamente ativa (PEA) inadimplente, intransigência entre visões políticas e por aí vai.


Se, ao ler novamente o primeiro parágrafo você notar qualquer semelhança com o momento atual, não é mera coincidência. A abertura do processo de impeachment já ocorreu, mas inúmeras dúvidas pairam no ar.

Quanto mais conturbado e confuso o momento, maior a demanda por clareza e isenção, tanto no filtro do que é relevante, quanto na identificação da(s) correta(s) tendência(s).

Momentos conturbados demandam clareza e isenção

Empresas e agentes de mercado fazem a programação de suas estratégias e gestão de risco em função das expectativas e horizontes percebidos. Aqueles que conseguem se antecipar às tendências, se apropriam de diferencial competitivo para se sobressair frente ao resto do mercado.

A pergunta que vale $1 milhão

Apesar da tentação em buscar consolo com adivinhos, oráculos, profecias ou palpiteiros de plantão, o caminho mais seguro é criar hipóteses adequadas, cenários prováveis, prognósticos contextualizados e previsões sensatas com especialistas no assunto.

No entanto, no exemplo da economia brasileira em 2015, as previsões ficaram muito aquém da realidade. A quantidade de analistas e economistas atropelados pelas mudanças conjunturais, foi enorme. E não estamos falando de amadores, mas de analistas experientes, das mais variadas formações e instituições, nacionais e internacionais.

Um modelo de previsão é justamente isso,

apenas um modelo

À primeira vista pode-se pensar que não vale a pena tentar prever o futuro, mas esse é um pensamento limitante e perigoso. A maior lição desse episódio é de trazer consciência às vantagens e limitações de um modelo preditivo, que apresenta uma linha tênue entre simplificar e perder precisão ou sofisticar e inviabilizar custo-benefício.

Origens

De forma a ajudar na estratégia de uma boa previsão, o primeiro passo é entender de gente e de números. Depois, claro, é necessário ter domínio de disciplinas as mais variadas, como economia, sociologia, geografia, história, matemática, estatística, psicologia, tecnologia, antropologia, política, marketing etc. Por último, segmentar o problema em partes menores para compor o todo.

Mas antes de chegar a uma fórmula mágica, vale a pena dar uma pincelada nas origens da arte de prever.


Iniciamos nossa abordagem no séc. VII a.c., com os profetas e o velho testamento, onde as previsões continham forte conotação divina e apelo moral. Com a criação ou reprodução de mitos, forneciam-se pistas e visões para as potencialidades espirituais. Ao longo dos séculos oráculos ascenderam, intermediando a sabedoria divina com os meros mortais. Pessoas ou objetos eram veículos na obtenção de respostas e esclarecimentos. Odin, IChing, Delfos (com Zeus e companhia) foram relevantes para escandinavos, chineses e gregos, respectivamente.


Sócrates (século IV a.c.) foi um dos primeiros a formular hipóteses para racionalizar o pensamento, abrindo a porta para a filosofia e outras ciências. Aristóteles, em seguida, formata o raciocínio dedutivo e sua distorção, o sofismo.

Entre oráculos e socráticos, até boa parte da idade média, reinaram adivinhos, interpretando voo de pássaros, pedras, vinho, vísceras ou textos enigmáticos gerando premonições ou tendências. Apesar do destaque de Nostradamus (séc. XVI) já se viam sinais de disseminação de métodos científicos, como Roger Bacon (séc. XIII) que auxiliaram na fundação da ciência moderna, como Francis Bacon (séc. XVI) e seu raciocínio indutivo.

O iluminismo e o renascimento trouxeram luz a Leonardo Da Vinci e a respectiva integração e disseminação das ciências. Métodos matemáticos de probabilidade nasceram da tentativa de melhor compreender os jogos de azar. Cardano, Fermat e Pascal, por volta de 1650 d.c., serviram de ponte para a fundação da estatística menos de 100 anos depois. Avançando alguns anos, com a sociologia consolidada no fim do século 19, Durkheim ficou conhecido por transformar o comportamento humano em matéria acadêmica.


Na virada para o século XX, autores de ficção científica como Julio Verne, H. G. Wells e Hugo Gernsback influenciaram, de certa forma, a criação de cenários como fator relevante não só na projeção mas também na construção do futuro.

Com a segunda guerra mundial, um ramo da ciência até então desconhecido, chamado de Pesquisa Operacional, passa a ter relevância na gestão de operações militares. Para tanto avaliava cenários, árvores de decisão e previsões de forma a identificar e solucionar problemas reais através de avaliação de variáveis e respectivas restrições e/ou hipóteses. Naturalmente foi incorporado pelas empresas, ávidas por produtividade e competitividade. Daí para a evolução da estratégia empresarial, foi um pulo.

Boas previsões oxigenam boas decisões

Sem ter a pretensão de esgotar o tema, finalizamos a primeira parte da difícil arte de prever com Alvin Tofler (1970) e o best seller “O Choque do Futuro”, que, além de projetar macro tendências, sugere caminhos para uma boa previsão: 1) A pergunta certa é geralmente mais importante do que a resposta certa à pergunta errada; e 2) O futuro é construído pelas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros.

Voltando ao Shackleton, não fosse ele o líder na tentativa de cruzar a Antártida 100 anos atrás, certamente veríamos anunciada uma tragédia estampada em algum canto de tabloide inglês.

Com a situação atual do Brasil, não podemos confiar em resultados de venturas ou aventuras, e, antes de comemorar ou chorar pelo passado, cada brasileiro deve tomar para si a responsabilidade de ser líder de sua própria vida, não delegando a previsões de terceiros, as expectativas e rumos a tomar.


Pois, sem essa condição básica, vira um jogo de sorte ou azar, e, quando é assim, não há previsão que faça mágica.

Grato pela leitura e seja sempre bem vindo(a)!

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